Confaburlando

Claude Oscar Monet:
A ponte de Waterloo (1903)
Um escritor pouco anterior ao nosso tempo registrou que só há um problema filosófico realmente sério: o suicídio. Quem se mata afirma que a vida não vale a pena, e o contrário é verdadeiro. Do ponto de vista do indivíduo isolado é isso.
As coisas se complicam quando uns julgam os outros. O suicídio não costuma ser endossado: um “era isso mesmo que ele devia fazer” dito ao lado do caixão do morto. Em alguma medida, matar-se é condenar toda a vida, impondo um julgamento duro: viver não vale a pena. Nenhuma religião suporta esta crítica. Quem abre mão da vida recusa o criador, que não pode aceitar tamanha rebeldia. Não há remissão para o suicida. A ditadura da criação se impõe sobre a criatura. Desnecessário dizer que, se o criador legitimasse a autodestruição, o gesto definitivo perderia seu caráter subversivo, se inscreveria na ordem.
Imagino um filho enforcado na residência familiar, o cadáver suspenso é uma condenação coletiva. Todos ficarão marcados pelo ferro e pelo fogo do questionamento: “o que houve? Por que ele fez isso?” O morto leva consigo parte família. Criador e família não encaram o auto-extermínio de um filho da mesma maneira; a segunda se condena, o primeiro condena o filho.
Se a vida de um homem pudesse ser representada por um gráfico, ele se mataria quando a linha da felicidade fosse ultrapassada pelo sofrimento. Mas sabemos que a vida é escrita com linhas tortas, felicidade e sofrimento se alternando no tempo. O peso da decisão decorre da irrevogabilidade do gesto definitivo.
Num mundo essencialmente provisório, os gestos definitivos são carregados de beleza exatamente pelo contraste que estabelecem. Quem galopa voluntariamente no lombo da morte toma as rédeas do destino. Fixa um valor na negação que estabelece.
Se desarmado de metafísicas e reivindicações, o suicídio é um tapa na cara dos vivos. Ato afirmativo na destruição. Salto do topo do arco-íris, tão belo quanto provocativo.
JC

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