Os novos bárbaros

Quando um tiro na testa de alguém, seja quem for, é comemorado com palmas, é sinal de que a barbárie se aproxima.

Comecemos pelo título, que, se é injusto pela falsa linha de continuidade estabelecida com o passado (qualquer bárbaro seria uma formiguinha de jardim perto dos atuais), é, por outro lado, justo no sentido de que bárbaros são agentes da barbárie, da crueldade e da selvageria. E isso se enlaça com a epígrafe deste texto.

Mas primeiramente voltemos dez anos no tempo. Onze de setembro de 2001. Pela manhã os jornais anunciavam a crise das companias aéreas, mas ninguém imaginava o que estava para acontecer. Aviões sequestrados seriam arremessados contra alvos nos EUA. Depois da tragédia viriam as explicações. O responsável seria um saudita chamado Osama bin Laden, que uns pronunciavam com “i”, como se fosse “bin Ladin”.  O que mostra o desconhecimento e a pouca importância do sujeito até aquela data.

A história ainda tem muito a dizer sobre o que realmente aconteceu no dia onze de setembro de 2011. Mas uma coisa é certa, os ataques foram úteis para os EUA: justificaram a política de invasões imperialistas e esconderam a crise econômica interna.

Bin Laden foi uma figura fundamental para os EUA. Os impérios messiânicos e decadentes necessitam de deuses e demônios, o papel destes últimos coube ao saudita e à Al Qaeda. Dizia-se que os EUA eram vulneráveis, e isso lhes era muito útil, permitia que eles se armassem cada vez mais. Não é à toa que a industria bélica estadunidense tenha sido um dos setores mais rentáveis da última década. Bin Laden e a Al Qaeda eram avaliados como inimigos perigosíssimos, nunca mais voltaram a atacar em solo estadunidense (se é que algum dia atacaram realmente), mas a máquina de guerra ianque continuou se hipertrofiando.

A Al Qaeda e bin Laden foram utilizados para justificar a invasão do Afeganistão em 2001. Argumentos semelhantes levaram à ocupação do Iraque em 2003, depois provou-se que as armas de destruição em massa eram uma ficção barata, à la hollywood. Em 2011, iniciou-se o ataque à Líbia, bin Laden já era um homem distante dos campos de batalha, não estava nas montanhas de Tora Bora, mas numa mansão paquistanesa. Não foram os EUA que se utilizaram de bin Laden para atacar a Líbia, pelo contrário, foi o governo desta que tentou se valer do saudita para tentar evitar o ataque, associou seus inimigos à Al Qaeda de Osama. Esse fato atesta a insignificância de bin Laden, que já não servia nem como justificativa para ataques imperialistas.

Então Obama, que apenas um ‘b’ separa de Osama, localizou e ordenou o assassinato do saudita. Operação realizada, Barack Obama foi à TV comunicar o acontecimento, com um sorriso contido no rosto, ciente de que capitalizaria politicamente o fato. Estadunidenses saíram às ruas de Nova York e Washington para comemorar o acontecimento.

A morte de bin Laden foi noticiada abertamente como um assassinato decorrente de uma operação vitoriosa. Segundo o próprio Obama, a justiça prevaleceu.

Neste ponto começam a surgir interrogações. Assassinar alguém sem julgamento é a forma de agir dos EUA? É uma vitória dos valores da América? É uma vitória da democracia? Como foram obtidas as confissões que levaram a CIA até bin Laden? Tortura em Guantânamo? É assim que age a justiça dos EUA? Comemorar um assassinato, como fizeram milhares de estadunidenses, não contradiz os valores de uma civilização cristã? Para não dizer humana.

O ataque à casa de Osama bin Laden mobilizou, segundo as fontes dos EUA, vinte homens de suas forças especiais e quatro helicópteros. No meio do tiroteio um destes caiu. Como sempre, as fontes estadunidenses divulgaram que uma falha mecânica derrubou o helicóptero. Nos últimos dez anos de guerras promovidas pelos EUA, nenhuma de suas aeronaves foi abatida por fogo inimigo, apenas ‘falhas mecânicas’ derrubam naves estadunidenses, segundo as fontes destes, claro. O engodo repetido sem questionamento pelos papagaios midiáticos tende a criar um mito de invencibilidade.

Por outro lado, ao mesmo tempo que se propaga o mito da invencibilidade das aeronaves militares estadunidenses, é preciso reafirmar que a América é também vulnerável, porque é isto que justifica toda a política armamentista da ‘guerra ao terror’ e os lucros que ela gera. Não é à toa que os atuais timoneiros da barbárie (Obama, Hillary e cia) já tenham anunciado que a ‘guerra ao terrorismo’ continua.

O sorriso contido de Obama ao anunciar a morte de Osama é significativo. O atual presidente dos EUA conseguiu se apropriar do discurso ‘político’ de seu antecessor, Obama se fortalece para as próximas eleições. Além disso, como em 2001, o ataque ao inimigo externo servirá para mascarar a crise interna.

Enfim, se este início de maio entrar para história, não será pelo assassinato de bin Laden, figura dispensável e decadente, o ponto decisivo é a saída dos novos bárbaros às ruas. Com as artérias cerebrais entupidas pela gordura saturada do Mcdonalds e de Hollywood, centenas de estadunidenses foram às ruas comemorar a morte de Osama bin Laden, legitimando a ‘guerra ao terror’. A industria da barbárie e seus timoneiros agradecem.   

Nenhum comentário: